terça-feira, 5 de setembro de 2017

Como formar um ser humano a partir dos valores que ele traz do mundo lá fora?

Olá, 




Faz bastante tempo que não escrevo nada por aqui. Sou professora de Educação Infantil e Psicóloga Clínica e venho hoje trazer algumas reflexões que tem me tirado um pouco a tranquilidade no trabalho com a educação dos meus alunos, pequenos de 4 a 5 anos de idade.

Algo muito estarrecedor que me aparece e que não tenho tido tempo de refletir para pensar de que forma agir em relação a isso, são as reproduções que eles fazem de valores machistas.

Como assim machistas? Bem, a divisão "natural" entre brincadeiras de menino e de menina que acontece "sem querer", por exemplo. A verbalização de que coisas são de menino ou menina, que cores são de menino ou menina, que personagens da ficção infantil são de menino ou menina.

Essa divisão pura e simples, que pode parecer ingênua já vem carregada de sentidos. Vem carregada de papéis pré-definidos e que, nas entrelinhas, colocam um gênero como forte e um como fraco. Um como bruto e um como delicado, um como competitivo e outro como cooperativo, excluindo um do outro.

As "brincadeiras" de desenhar ou montar armadilhas "contra" as meninas, falas de que as meninas são chatas ou vice-versa, trejeitos trazidos pelas meninas de personagens de desenhos, filmes, músicas, novelas, comerciais, que as fazem ser muito "afetadas" e "feminilizadas" de um forma exagerada e muito pouco natural, me incomodam muito.

Outro tipo de valores, não necessariamente ligado ao gênero, mas absolutamente ligado à dinâmica de poder (que na verdade é o que está por trás da questão do gênero) também são passados por estas mídias. 

Ontem mesmo, numa conversa entre crianças, uma delas dizia: "Sou eu quem manda na brincadeira! Tem pedir pra mim!". E eu curiosa, questionei o porquê de ter que existir alguém que "mande" na brincadeira e ela disse: "Na Patrulha Canina tem.", com naturalidade. E eu continuei questionando: "Mas precisa ter alguém que mande, mesmo?" e ela disse: "Ás vezes sim". Continuei: "Mas por quê?". A pequena não sabia me dizer.

Essa é a armadilha. Valores são assim. Os reproduzimos sem saber porquê. E mesmo sem saber o porquê, temos tanta certeza, quase absoluta, sobre aquela realidade vista e revista, afirmada e reafirmada no cotidiano da vida real, na lógica social, nos desenhos, roupas, brinquedos, nas relações com familiares, com estranhos na rua e em todo o lugar, que supomos que esta é a única forma correta de se relacionar com o outro.

Outro diálogo, de hoje, por exemplo, foi, no meio de uma brincadeira, quando uma menina disse: "Sabe, minhas filhas e eu somos pobres". E questionando o que significava isso, me disseram: "É ter pouco dinheiro e ter que limpar a casa.". Em seguida, me disseram que é "Ter nenhum dinheiro ou só umas moedinhas e não poder comprar nada.". 

A reflexão posterior sobre porque o rico é rico e porque o pobre é pobre variava de: "O rico é melhor, o pobre não é tão bom." a "É que tem que ir no banco pegar mais dinheiro.". A mesma criança que iniciou o argumento, disse: "Meu pai é rico e minha mãe é pobre.". Dois pais casados, que moram juntos. Um homem e uma mulher. Será que ela estava falando de dinheiro na carteira deles ou será que estava falando em poder de decisão dentro de um casal? 

Eu não sei o que faz a pequena pensar nisso, mas duvido que nisso não haja algo que lhe foi transmitido não apenas pela observação da relação dos pais, mas de toda a lógica do mundo adulto que ela observa e tenta decodificar com as ferramentas que direcionamos a ela: livros, colegas, brincadeiras, filmes, brinquedos, espaços de convivência entre as pessoas em que ela aprende coisas e que vão comprovando para ela uma teoria do funcionamento das coisas.

Que não está bom. 

E qual o meu papel como professora dela? E desse grupo inteiro? O que eu deveria fornecer a eles para questionar isso tudo, sem desmoronar o que ela tem de aprendizagem do mundo real, que é mesmo desigual, machista e brutal no sentido da justiça social, da igualdade de gêneros e da distribuição de renda?

Não sei por que caminho seguir. Mas estou sempre atenta e aflita sobre que exemplo posso estar passando, pessoalmente, na minha relação com o grupo, com os pais, com os colegas da escola, com o espaço, com os objetos, com os alimentos, com as ideias. Que duro e pesado é não saber.

Que medo de não saber se é possível ajudá-los a questionarem essa realidade que estão percebendo, pois está posta em todos os lugares de forma explícita demais e desumana demais na maior parte dos lugares.

Que eu tenha recursos humanos e teóricos para mudar, nem que seja um soprinho desse pensamento imposto de fora pra dentro a eles.

E se alguém aí fora tiver um texto, uma indicação de leitura, uma proposta de atividade, compartilha com a gente!

Um abraço e seguimos lutando!

Carol